Para evitar “questionamentos desnecessários”, governo e banco mantêm sigilo sobre o empréstimo total de US$ 692 milhões para construtora modernizar terminal em Cuba. Parte dos recursos foi transferida “a fundo perdido”, isto é, sem nenhum ônus para o tomador cursos foi transferida “a fundo perdido”, isto é, sem nenhum ônus para o tomador
POR EDUARDO MILITÃO | 27/05/2014 08:00 CATEGORIA(S): NOTÍCIAS, OUTROS DESTAQUES |
Documento mostra alguns detalhes da operação financeira para bancar porto
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já repassou o equivalente a mais de R$ 1 bilhão à construtora Odebrecht pela reforma do porto de Mariel, em Cuba, um negócio mantido em sigilo, por até 30 anos, pelo governo brasileiro, que considera que a revelação dos detalhes do financiamento “põe em risco as relações internacionais do Brasil” e pode “levantar questionamentos desnecessários”, conforme extrato de classificação de documentos obtido peloCongresso em Foco. Esses papéis mostram que uma parte do custo do financiamento envolveu parcelas pagas “a fundo perdido pela União” – o governo diz que isso não motivou sigilo. A empreiteira baiana ainda tem o equivalente a mais de R$ 500 milhões a receber do governo brasileiro por essa obra em Cuba.
Para modernizar o porto de Mariel, o governo cubano, dos irmãos Fidel e Raul Castro, escolheu a construtora brasileira. Depois, o BNDES financiou o empreendimento de US$ 957 milhões com US$ 692 milhões (R$ 1,5 bilhão), repassando os valores integralmente à Odebrecht. Mas os detalhes da operação, como garantias e prazos de pagamento, são mantidos em sigilo pelo Brasil. Um empréstimo da construtora a uma empresa de consultoria, que o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) considera como possibilidade de “desvio de recursos públicos”, deve ser um dos temas de audiência pública com o presidente do banco, Luciano Coutinho, na Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara, nesta terça-feira (27). O negócio foi revelado pelo Congresso em Foco no último dia 19.
Em janeiro, Dilma Rousseff e o presidente Raul Castro inauguraram a reformulação do porto cubano. De acordo com o BNDES, a obra está “praticamente concluída” e, por isso, nem todo o dinheiro foi repassado à Odebrecht, mas só 70%. Os desembolsos são feitos à medida que a construção vai ficando pronta. O BNDES diz que não financia o governo cubano, mas “o exportador brasileiro” de obras e serviços. Em caso de eventual calote de Cuba, hipótese abraçada pela oposição no Congresso, a Odebrecht não será responsabilizada.
Como mostrou o Congresso em Foco, em 2012, dois anos após iniciar as obras no porto, a Odebrecht concedeu um empréstimo de R$ 3 milhões a uma consultoria, a Noronha Engenharia. No ano seguinte, sem que o débito fosse quitado, a construtora firmou um contrato de R$ 3,6 milhões para que a empresa carioca avaliasse a qualidade das estruturas do porto. Mas um email atribuído ao setor financeiro da empreiteira cobra da Noronha a devolução de R$ 2,5 milhões desses valores. Os “pagamentos-espelho” foram negados pela Odebrecht, que disse não reconhecer a autenticidade da mensagem eletrônica e negou a devolução de dinheiro. Já a Noronha respondeu que os pagamentos eram atrelados ao serviço em Cuba como forma de quitar o empréstimo anterior. O Coaf, porém, estranha a operação. Deputados do Solidariedade e do PPS prometem questionar Luciano Coutinho sobre o assunto.
Odebrecht financia fornecedor de obra do porto de Cuba
Deputados querem investigar consultoria em Mariel
O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), diz que a alegação de segredo não pode impedir a fiscalização do negócio pelo Congresso Nacional. “Tudo isso com que os bancos se blindam é o tal do sigilo bancário. A comissão pede as informações, em sigilo, para saber se houve crime ou não, se houve privilégio ou não”, disse o deputado ao site. Bueno pede a aprovação de uma Proposta de Fiscalização e Controle (PFC), espécie de mini-CPI dentro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e pretende questionar Luciano Coutinho sobre o assunto na audiência da Comissão de Fiscalização e Controle. “Queremos tirar essa blindagem do sigilo e partir para a investigação.”
Simplício Araújo (SD-MA) disse que vai fazer um requerimento formal do BNDES para esclarecer o negócio da consultoria que atestou as obras da Odebrecht. “Parece negociação de prefeito corrupto do interior”, diz Simplício.
Fundo perdido
O BNDES se negou a informar ao Congresso em Foco em quantas parcelas emprestou os US$ 692 milhões a Cuba para a construção do porto de Mariel e quando vencem a primeira e a última prestações. “Questões relativas a condições financeiras de contratos são protegidas pela lei de sigilo bancário”, disse a assessoria do banco.
Um Termo de Classificação de Informação produzido há dois anos pelo gabinete do então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Fernando Pimentel, e obtido pelo Congresso em Foco mostra alguns detalhes da operação. De acordo com ele, o empréstimo acertado em 2008 era um pouco menor, de US$ 600 milhões, para serem usados durante quatro anos. Há condições específicas para Cuba, como prazo de pagamento para começar a quitar o empréstimo e as contrapartidas dos cubanos no negócio.
O documento menciona que as condições de financiamento envolvem o custo da operação. E que essa operação é formada também por uma parcela paga, “a fundo perdido pela União”, do Programa de Financiamento à Exportação (Proex), na modalidade Equalização. Nesse sistema, o programa, cujo agente é o Banco do Brasil, o Proex “assume parte dos encargos financeiros, tornando-os equivalentes àqueles praticados no mercado internacional”, conforme definição constante em outros documentos do MDIC.
Procurada, a assessoria do ministério afirmou que o sigilo das informações foi motivado porque a publicidade do caso “comprometer a condução de outras negociações e as relações internacionais do Brasil”, com base na Lei de Acesso à Informação. “Não há que se falar que a classificação dessas informações se deu por se tratar de recurso “a fundo perdido”.
“Questionamentos desnecessários”
De acordo com o Termo de Classificação, o negócio foi classifico com o grau de “sigilo secreto”. Por isso, deve ficar em segredo por 15 anos a partir de 2008, prazo prorrogável uma vez, ou seja, até 2038.
No termo, o gabinete de Pimentel afirma, em 18 de junho de 2012, que memorandos de entendimento, protocolos, cartas, pareceres, correspondências e notas técnicas sobre o financiamento, à época avaliado em US$ 600 milhões, devem ficar em sigilo porque as informações “põem em risco” as relações internacionais, outras negociações entre Brasil e Cuba e ainda revelarão papeis de outros Estados e organismos internacionais fornecidos em caráter reservado. A divulgação das condições do empréstimo pode “inviabilizar outros projetos e levantar questionamentos desnecessários” e “resultar em constrangimentos diplomáticos”.
Operações com outros países poderiam ficar prejudicadas, porque as condições específicas seriam outras, “apesar de seguirem parâmetros internacionais”.
Exportações
A assessoria do MDIC disse que “dados referentes ao financiamento de exportações brasileiras” foram considerados sigilosos, e listou três documentos que estão nesta situação, inclusive Cuba. De acordo com a assessoria, os valores desembolsados não estão sob segredo e podem ser acessados no site do BNDES.
Na página do banco, observa-se que foram exportados para Cuba, com apoio do banco, US$ 802 milhões entre 1998 e 2013. No segundo governo Fernando Henrique (PSDB), de 1998 a 2002, o volume de exportações bancadas pelo BNDES para Cuba foi de US$ 7,5 milhões por ano. Já na era Lula-Dilma (PT), de 2003 a 2013, a média anual saltou para US$ 69,5 milhões.
Vistorias
Assim como o BNDES, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio não comentou a operação financeira entre a Odebrecht e a consultoria. O banco disse ao site que, por padrão de controle, fiscaliza as obras que financia por meio de vistorias in loco e conferência de gastos na execução do projeto. A assessoria do BNDES disse que a empreiteira já havia sido escolhida pelo governo cubano para reformar o porto de Mariel e só depois pediu o financiamento bancário, cuja aprovação “obedeceu aos ritos ordinários de concessão de qualquer empréstimo” na instituição dirigida por Luciano Coutinho.
O banco frisou que o dinheiro não saiu do Brasil, mas foi integralmente usado em empresas nacionais. “O Brasil atua de modo análogo à maioria dos países, já que o apoio às exportações por meio de instituições estatais é parte de estratégia nacional para promover o desenvolvimento”, disseram, em artigo no Valor Econômico, a superintendente e o chefe de Comércio Exterior do banco, Luciene Machado e Luiz de Castro Neves. Pelas normas divulgadas no site da instituição, a construção de portos financiada pelo banco exige nacionalização de pelo menos 60% das peças.
Seguro
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odbrecht, que esteve com Dilma Rousseff na inauguração do porto de Mariel, defendeu o sigilo, em artigo na Folha de S.Paulo. “As únicas informações que não são públicas são as usuais das operações bancárias, como o valor do seguro, eventuais contragarantias e taxas que compõem a operação”.
Dados do BNDES mostram que, no ano passado, a instituição teve lucro líquido de R$ 8,15 bilhões. A inadimplência foi de apenas 0,01%. Marcelo Odebrecht rebateu as especulações sobre um eventual calote cubano, responsável por pagar o empréstimo canalizado para a empreiteira. “A ocorrência de calotes não está relacionada a alinhamentos ideológicos: os maiores defaultsrecentemente enfrentados vieram dos EUA e Chile”, disse o presidente da construtora.
Odebrecht financia fornecedor de obra de porto em Cuba
Fonte: UOL
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