04/01/2016
A morte e os impostos são as duas únicas coisas certas na vida. Pelo menos foi o que disse Benjamin Franklin, ícone da Revolução Americana, há mais de duzentos anos. Ao ladear estes dois fenômenos, o pensador iluminista não só ilustrou o caráter inescapável de nossas obrigações perante o Estado, mas esboçou também uma comparação à prova do tempo.
Nos séculos que se passaram desde a assertiva de Franklin, conseguimos adiar consideravelmente a primeira. A medicina evoluiu, aprendemos a lidar com as intempéries do planeta, e a tecnologia presente em praticamente tudo o que temos nos agraciou com uma qualidade de vida sempre maior.
Com alguma similaridade, o mesmo parece se dar com os impostos: eles não deixaram nem deixarão de existir, mas sempre podemos nos valer das ferramentas apropriadas para aplacar sua voracidade. Ao esforço do Estado de buscar aprimorar a arrecadação sempre corresponde a perspicácia dos contribuintes de identificar excessos e ilegalidades.
No Brasil, a atenção do contribuinte tem necessitado ser redobrada. Tendo acordado muito tarde de um pesadelo fiscal previsível, o governo parece querer agora compensar o atraso atropelando as regras que lhe impõe a Constituição Federal, numa estratégia de verdadeiro risco calculado: cobra, mesmo sabendo que talvez tenha de devolver.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com a edição do recente Decreto 8.426/15, que restabeleceu para um total de 4,65% as alíquotas de PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, que estavam zeradas desde 2004.
Válida já no segundo semestre de 2015, a referida alteração tem sido afastada por tribunais federais de diversas regiões em face de sua manifesta ilegalidade, uma vez que não competiria a um Decreto instituir ou majorar tributo, como nos assegura a Constituição.
Outro exemplo com o qual convivemos de perto é o da Contribuição Social instituída pela Lei Complementar 110/2001, devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de 10% sobre o montante dos depósitos de FGTS durante a vigência do contrato de trabalho.
Criada com o objetivo de recompor os expurgos inflacionários das contas vinculadas, no período do final da década de 80 e início da década de 90, a contribuição, que já cumpriu sua finalidade em 2007, segue sendo cobrada até hoje, cabendo a cada contribuinte ir ao Judiciário buscar seu direito à restituição do que vem pagando indevidamente.
A contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento, por sua vez, já foi objeto de reiteradas discussões nos tribunais brasileiros, tendo o Superior Tribunal de Justiça, em 2014, definido pelo regime dos Recursos Repetitivos – sistemática que tem o dever de orientar as decisões de todo o país, bem como o próprio fisco – que o tributo não deve incidir sobre valores de caráter indenizatório ou que não se prestem a retribuir o tempo de trabalho ou à disposição do empregador, a exemplo do aviso prévio indenizado e do terço de férias.
A saga dos contribuintes não se limita à esfera federal: há tempos também os estados-membros insistem em submeter os administrados ao seu furor arrecadatório. É o caso do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica, fenômeno gerador de discussões que vão desde a redução da alíquota, por ser considerado um produto altamente essencial, até mesmo a retirada, da base de cálculo do imposto, de valores pagos a título de transmissão e distribuição de energia.
A prática de suspender e cancelar inscrições estaduais como mecanismo coercitivo de cobrança de impostos, ademais, segue sendo adotada nas mais diversas regiões, ainda que não se tenha mais dúvidas quanto à ilegalidade da medida.
Nem mesmo os municípios se salvam: a criatividade na elaboração de regras para os impostos Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), Predial Urbano (IPTU) e sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) tem obrigado as empresas que atuam em diversas regiões do país a dedicar equipes específicas para administrar a confusa malha fiscal.
Em uma de suas obras, Saramago verteu em ficção a ideia de uma cessação temporária da morte, cuidando de narrar e descrever todos os efeitos sociais e morais que um tal fenômeno viria a causar. A falta de algum autor moderno que tenha imaginado a suspensão do pagamento de impostos sugere ser esta uma ideia muito mais subversiva.
O momento pede que estejamos atentos: novos dribles e “pedaladas” são criados todos os dias pelos entes tributantes para tentar neutralizar a ineficácia do próprio Estado em equilibrar suas contas. É também a cada dia, pois, que surgem novas oportunidades não para que fujamos do inevitável, mas para que nos asseguremos de que, na morte e nos impostos, a forma e o tempo sejam razoáveis.
Por André Menescal Guedes, advogado e sócio-diretor do Nelson Wilians & Advogados Associados à frente dos Estados do Maranhão e Piauí. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. LLM em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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